Saber a diferença entre mestrado e doutorado é importante, principalmente quando o potencial candidato está em dúvida sobre seus objetivos acadêmicos. Há muita confusão em torno do que se espera quanto a cada um desses graus acadêmicos e espero esclarecer o assunto para que você possa ter a certeza do que deseja cursar.
Diferença entre mestrado e doutorado: uma distinção de grau e de competências desenvolvidas
Quem curte jogar um videogame sabe que, para passar de uma fase para a outra, é preciso desenvolver gradualmente novas habilidades e competências. Os primeiros estágios são mais simples, usualmente projetados para que o jogador possa desenvolver as habilidades necessárias para os verdadeiros desafios. As demais fases são mais complexas e impõem o desenvolvimento cada vez maior e mais apurado daquelas habilidades.
Pense no desenvolvimento da carreira acadêmica e na diferença entre mestrado e doutorado do mesmo modo.
Os estágios da formação acadêmica
Primeiro, existe a graduação. É a primeira “fase” do jogo acadêmico, onde as primeiras habilidades são desenvolvidas no campo de estudo escolhido. Na “faculdade”, o aluno aprende a ser um profissional e é esperado que desenvolva um mínimo de competências acadêmicas: saber os conceitos mais basilares de sua área de formação, identificar as boas obras de referência (manuais) do seu campo de estudo e ter competências profissionais para atuar.
O MEC impõe, desde 1994, como requisito à graduação em direito, que as faculdades exijam a elaboração de um Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). Inicialmente, demandava-se obrigatoriamente que o TCC fosse apresentado na forma de uma monografia, mas hoje em dia já são aceitas formas alternativas de produção.
TCC já exige habilidades essenciais ao mestrado e ao doutorado
O TCC – especialmente a monografia, quando escrita com seriedade – é uma excelente oportunidade para desenvolver habilidades como pesquisador. O estudante deve redigir um texto acadêmico e, para tanto, necessita aprender inúmeros requisitos da escrita acadêmica: pesquisar referências bibliográficas, citá-las, confrontar suas próprias ideias com as dos mais variados autores, planejar e organizar um texto com começo, meio e fim, entre inúmeras outras habilidades.
O mestrado e o doutorado são o produto mais natural do refinamento dessas habilidades acadêmicas.
Que habilidades são exigidas no mestrado e no doutorado?
É claro que uma dissertação (mestrado) ou uma tese (doutorado) são produtos que exigem habilidades de pesquisa muito mais sofisticadas que as demandadas por uma monografia (TCC). Mas, no fundo, a grande diferença é o grau de refinamento das etapas de planejamento, organização e execução da pesquisa acadêmica.
Poderíamos dizer que os programas de pós-graduação existem para refinar e especializar o conhecimento adquirido na graduação.
Finalidade da pós-graduação lato sensu é a especialização profissional
Na pós-graduação lato sensu, o maior objetivo é especializar o conhecimento do aluno (por exemplo, direito) em uma das sub-áreas de sua área de formação (v.g., direito administrativo, direito do trabalho, direito tributário etc), com intuito de aprofundar sua formação profissional. Por isso, é bem comum nos referirmos a esses cursos como Especialização.
Finalidade da pós-graduação stricto sensu é acadêmica
A finalidade da pós-graduação stricto sensu, que compreende justamente o mestrado e o doutorado, por sua vez, é eminentemente acadêmica. O portador dos títulos de Mestre e Doutor está qualificado não apenas como professor. Os títulos o qualificam também como pesquisador autônomo, apto a desenvolver o campo de conhecimento escolhido.
O maior objetivo do mestrado em direito é formar professores capazes de efetuar uma pesquisa que, no mínimo, sistematize o conhecimento mais atual a respeito de um determinado tema. Além disso, o Mestre deve ser capaz de comunicar os resultados de sua pesquisa eficientemente. Essa competência se revela tanto por meio escrito (a dissertação) quanto por meio oral (daí a necessidade de defesa do seu texto perante uma banca examinadora).
Não se exige, no mestrado, que o estudante desenvolva um trabalho a respeito de um tema original. Entretanto, é necessário mostrar a capacidade de elaborar um texto denso. Demanda-se raciocínio analítico, a fim de que se demonstre a aptidão para discutir criticamente seu objeto de estudo considerando as mais variadas posições a respeito do tema escolhido.
Originalidade: a essência do doutorado
No doutorado, por sua vez, exige-se que o Autor desenvolva uma pesquisa original, demonstrando grande capacidade analítica. Também é esperado que desenvolva outras competências. Um doutor é excelente em gestão de tempo, pesquisa independente, planejamento de metas e deve ser perseverante. Evidentemente, tais qualidades também são necessárias para o mestrado – mas o doutorado exige tais habilidades em grau máximo.
O mestrando deve ver seu orientador como alguém que está ali para orientar a pesquisa, amparar as escolhas metodológicas do estudante e guiar todo o trajeto. O doutorando deve ser muito mais independente; seu orientador não está lá para guiá-lo, mas é, antes, um “parceiro” de jornada. É alguém para dialogar com status de certa igualdade. Afinal, o objetivo da caminhada é transformar o aluno em um Doutor como seu próprio orientador.
As orientações devem ser vistas como um diálogo produtivo com vistas a realizar seu trajeto pessoal. Objeções devem ser analisadas com cuidado, porque essa interação exige que o doutorando não seja subserviente; parte de sua originalidade pode ser construída justamente a partir da divergência com o orientador.
Doutorado original exige resiliência ao extremo
Além disso, desenvolver um projeto de pesquisa por quatro anos é extremamente difícil. É fácil perder-se pelo caminho, estudando teorias e problemas que não se relacionam ao objeto central da pesquisa. Pesquisar um único tema sob os mais diferentes ângulos é estressante. Por mais que pareça “fácil” ter quatro anos para desenvolver um único trabalho, não é. As exigências quanto à qualidade, extensão e originalidade podem ser esmagadoras.
Não que o mestrado seja fácil. Com o prazo de dois anos, também é fácil perder o foco. Todavia, a própria pressão do prazo mais curto é percebida como uma força adicional. Como resultado, o aluno tende a ser mais pragmático por ter menos tempo a perder.
No fim das contas, e desconsiderados outros aspectos institucionais (por exemplo, a quantidade de aulas exigidas nos dois cursos), a grande diferença entre mestrado e doutorado é a originalidade da pesquisa.
Apesar de parecer apenas uma pequena distinção no contexto geral, a diferença entre mestrado e doutorado é pequena, mas… faz toda a diferença.
A originalidade exige que o doutorando tenha o “olho do tigre”. É preciso se concentrar no propósito central da tese sem se perder em devaneios. Isso exige grande habilidade de trabalhar com objetivos relativamente indefinidos.
Como a pesquisa é desenvolvida em território desconhecido – justamente por ser original -, é preciso explorar diversos becos sem saída. Formular e reformular hipóteses, reconstruir o problema de pesquisa faz parte do jogo. Discutir e rediscutir com o orientador, reconhecer equívocos, questionar as próprias pressuposições teóricas; tudo isso é parte do seu cotidiano. Mas vale a pena. Percorrido o caminho com sucesso, as habilidades e competências desenvolvidas são a maior conquista do processo.