Seleções de mestrado injustas constituem a principal dificuldade nos processos seletivos de mestrado (e doutorado) que tenho visto. E as seleções de mestrado injustas decorrem, normalmente, de bancas de seleção predispostas a aceitar determinados tipos de projeto ou candidato. Como lidar com elas, se você tem um bom projeto de pesquisa alinhado às linhas de pesquisa da instituição, mas pode ser “passado pra trás” por candidatos apadrinhados por professores da casa?
Evidentemente, cada curso de pós-graduação tem suas particularidades. Como resultado dos interesses de pesquisa institucionais, os programas já direcionam os projetos para temas compatíveis com suas linhas de pesquisa. Não há nada de errado nisso.
Mas o fenômeno a que me refiro hoje é outro. Seleções de mestrado injustas decorrem da escolha de candidatos específicos e/ou projetos de pesquisa com o único propósito de favorecer os próprios professores que compõem a banca de seleção, ou alunos e professores próximos a eles. A situação, evidentemente, reflete abuso de poder. E essa circunstância, causa de muitas injustiças, deve ser explicitada e combatida, já que o acesso a uma vaga de mestrado ou doutorado deve ser o mais livre e transparente o possível.
Como você já percebeu, hoje o papo é reto.
Por que existem bancas de mestrado parciais?
O que chamo de “bancas de mestrado parciais” é um fenômeno que pode indicar várias causas. Há vários motivos para uma banca ser parcial. O primeiro, mais evidente, é institucionalmente defensável. A parcialidade é um elemento intrínseco a qualquer programa de pós-graduação stricto sensu, na medida em que é necessário selecionar um conjunto de linhas de pesquisa previamente identificadas.
Parcialidade e meritocracia não podem conviver juntas
Mas o que chamo de parcialidade vai além disso. Bancas de mestrado parciais violam a própria ideia de meritocracia que deveria estar atrelada ao acesso ao programa de pós-graduação. Quando digo “mérito”, não estou falando de ideias ingênuas sobre meritocracia, normalmente associadas ao vestibular. Estou falando do mérito propriamente acadêmico, que deveria orientar a seleção de projetos de pesquisa ou de pesquisadores em programas de pós-graduação.
Considere dois projetos de pesquisa. O primeiro enfrenta um tema inovador, lastreado na bibliografia nacional e estrangeira mais recente sobre a temática e compatível com as linhas de pesquisa da instituição de ensino. O segundo projeto, por sua vez, enfrenta temas “batidos”, citando apenas bibliografia clássica e sem qualquer recorte que tornasse a proposta interessante do ponto de vista acadêmico. Qual dos dois projetos tem maior relevância acadêmica?
No entanto… não são raras as vezes em que observei projetos como o primeiro serem preteridos. E, muitas vezes, em detrimento de propostas de pesquisa como a segunda. Por que isso acontece?
Desenho institucional das seleções de pós-graduação estimula a feudalização de professores
São vários os motivos. Mas talvez o principal deles seja o fato é que a maioria dos programas de pós-graduação stricto sensu se divide como pequenos feudos. Os professores da pós-graduação stricto sensu têm grupos de pesquisa com uma área de influência restrita. As teses do professor se tornam mais influentes à medida em que ele consegue formar alunos novos que pesquisaram naquela área. Evidentemente, é provável que os alunos tenham citado textos do professor. Com isso, progressivamente professores se tornam mais conhecidos, porque seus orientandos passaram a divulgar sua obra.
Eventualmente, os professores conseguem ampliar ainda mais sua influência participando de bancas de contratação de outros professores. Nessa situação, é de seu próprio interesse contratar pessoas próximas assim. Não é inesperado, portanto, que ex-orientandos e pessoas próximas aos componentes da banca sejam beneficiadas direta ou indiretamente. Afinal, com mais pessoas próximas na instituição, seu grupo de pesquisa começa a agregar mais professores e alunos. Como resultado, sua influência aumenta, tornando-se possível criar novos projetos, organizar eventos e, inclusive, obter financiamentos de agências de amparo à pesquisa e outras instituições.
Por essa razão, muitos professores têm interesse em participar das bancas de processos seletivos para admissão de estudantes de pós-graduação. É ali onde ele pode ter papel fundamental para incluir potenciais orientandos e excluir projetos que dificilmente serão interessados por eles. Como resultado, constroem seleções de mestrado injustas, fundadas em bancas de mestrado parciais e enviesadas.
Universidades no exterior adotam premissa diferente de seleção
Justamente para evitar essa lógica absurda, boa parte das universidades no exterior adota uma metodologia totalmente diferente. As universidades brasileiras poderiam admitir desde o início a impossibilidade de controle efetivo da imparcialidade. Ao não fazerem isso, iludem candidatos a acreditarem que oferecem vagas idealmente “neutras” e potencialmente acessadas por qualquer candidato. E, na verdade, fazem o contrário do esperado em um processo isento.
No exterior, boa parte das instituições atribui aos professores um determinado número de vagas para orientação. Os professores, respeitados alguns critérios mínimos, escolhem aqueles projetos que lhe convém mais. Evita-se a inclusão de candidatos e projetos medíocres e a excluem alunos espetaculares. E tudo isso é fruto do desenho institucional, que favorece a seleção dos melhores candidatos que procuraram o orientador. A parcialidade bem ordenada torna a seleção de mestrado um processo justo.
Seleção de mestrado não é concurso público…
Tal lógica pode parecer estranha. Estamos acostumados com a lógica do concurso público, onde todo mundo concorre às mesmas vagas. Mas não tem nada de estranho nessa prática. Trata-se apenas de admitir a parcialidade do sistema e deixar que cada candidato se resolva com seu potencial orientador. Evita-se, assim, o que ocorre muitas vezes por aqui. Candidatos que supõem estar concorrendo em procedimento imparcial se deparam com um sistema totalmente enviesado. A aparente imparcialidade, na verdade, apenas disfarça uma realidade voltada a interesses muito mais mesquinhos dos professores.
Caso os orientadores pudessem selecionar mestrandos e doutorandos, todos os docentes teriam igual chance de levar seus projetos de pesquisa adiante. Com isso, sua influência aumentaria conforme a qualidade das pesquisas desenvolvidas nos seus grupos de pesquisa. No sistema atual, a chance de isso ocorrer é mínima. O crescimento de grupos de pesquisa ocorre conforme a influência de professores para conseguirem sua própria indicação para bancas de seleção.
O que você pode fazer para ser admitido em uma seleção de mestrado injusta?
Em tal contexto, parece “impossível” ser admitido em uma seleção de mestrado injusta. Mas não é assim. O candidato que deseja aprovação, contudo, precisa ter em mente que só será aprovado caso adote uma abordagem estratégica.
E o que eu chamo de “abordagem estratégica”? Simplesmente, a adoção de comportamentos específicos voltados para responder a parcialidade da banca de pesquisa, compreendendo como ela tem se comportado. Essa perspectiva não garante a aprovação de ninguém, mas pode elevar significativamente as chances de aprovação.
Pense estrategicamente para aumentar suas chances de aprovação: compreenda o funcionamento da banca examinadora
A premissa básica de qualquer abordagem estratégica é compreender a “cabeça” da banca. Somente assim é possível superar uma seleção de mestrado injusta. Existe, sempre, uma dimensão incerta. Com efeito, não é possível antecipar qual será exatamente a banca no próximo processo seletivo. Em vários processos, aliás, a banca só é divulgada ao longo do certame. Mesmo assim, é sempre possível compreender a abordagem dos vários professores e buscar elaborar um projeto estratégico. É preciso buscar contemplar preocupações de ao menos alguns dos professores da casa. Evidentemente, não se trata de elaborar um projeto pra agradar todo mundo. Trata-se, sim, de preparar um projeto afinado com a instituição e que traga referências e discussões de interesse interesse de vários professores da linha de pesquisa.
Além disso, o candidato precisa entender o que as bancas da linha de pesquisa em que deseja ingressar procuram. É importante compreender os interesses de pesquisa investigados ao longo dos últimos anos no âmbito da instituição. Vale a pena pesquisar as últimas dissertações e teses, a fim de identificar os autores mais citados e os temas mais investigados. O objetivo não é copiar outras pesquisas, mas tentar entender os tipos de investigação desenvolvidos na instituição. O candidato deve se familiarizar com os currículos dos professores, ler seus artigos e saber como eles pensam.
Na maioria das instituições, o projeto de pesquisa pode ser alterado posteriormente
Isso significa dizer que o candidato deverá, ao final, pesquisar aquela temática? Não. Na maioria dos programas, o projeto de pesquisa não vincula de nenhum modo a pesquisa a ser desenvolvida no mestrado ou doutorado. O tema e a problemática podem ser modificados depois. Usualmente, apenas não é possível modificar a linha de pesquisa. Mas é possível mudar o tema, o problema e praticamente qualquer outro aspecto do projeto. É importante ter isso em mente na hora de elaborar o projeto. Afinal, ele está sendo elaborado para ser aprovado perante a banca, e não para contemplar seus próprios interesses. Essa é a verdade nua e crua de boa parte dos programas de pós-graduação do país.
E adaptar-se às circunstâncias é fundamental superar uma seleção de mestrado injusta.
Um exemplo pessoal: a adaptação que me levou ao mestrado
Dou um exemplo pessoal que ilustra claramente como fui aprovado em uma seleção de mestrado injusta. Em 2003, quando me submeti à primeira avaliação de mestrado em direito, elaborei um projeto de pesquisa fantástico. Era inovador, trazia bibliografia excelente e era totalmente adequado às linhas de pesquisa da faculdade. Todavia, não era adequado para a banca examinadora, que era muito conservadora para o perfil do projeto. Resultado: reprovei na fase de avaliação do projeto.
No ano seguinte, entendi que o processo era naturalmente enviesado. Percebi que uma seleção de mestrado injusta e algo comum. Conversei com vários pesquisadores e candidatos frustrados em processos seletivos anteriores e percebi que essa era uma circunstância frequente. Como resposta, preparei um projeto adequado à banca. Citei os autores mais referidos pelos professores da casa. Elaborei um projeto que refletia melhor algumas pesquisas da instituição e eram mais compatíveis com os professores da linha de pesquisa. Resultado: passei em primeiro lugar. Depois, reelaborei o projeto e fiz a pesquisa que realmente veio a me atrair com o tempo.
Responda estrategicamente às características da banca de mestrado
Estratégia! Você sabe que a banca será parcial, provavelmente “desonesta” contigo porque favorecerá alunos e projetos mais compatíveis com o interesse dos professores da banca. Prepare-se para uma seleção de mestrado injusta, tornando antecipadamente seu projeto de pesquisa apto a responder às particularidades da banca de pesquisa. Seu interesse também é o de contribuir com a universidade, com um projeto que também está inserido na linha de pesquisa a que você está concorrendo!
Elaborar um projeto estrategicamente ajustado aos interesses da banca não é equivocado. É, apenas, agir estrategicamente para ser aprovado. Depois da aprovação, você poderá ajustar a pesquisa. Poderá elaborar uma proposta, com seu orientador, compativel com seus interesses e os da instituição.
Outra estratégia importante para enfrentar uma banca de mestrado enviesada é se tornar conhecido na instituição. Participe de eventos organizados pelos professores que eventualmente podem compor a banca, busque participar de grupos de pesquisa, assista a aulas de disciplinas ofertadas por eles. Converse com eles sobre seus interesses de pesquisa. Observe se os professores parecem receptivos a ele. Converse com potenciais orientadores. Enfim, faça tudo o que estiver a seu alcance para se tornar conhecido e para conhecer potenciais membros da banca, adaptando sua pesquisa aos interesses deles. Fazendo isso, suas chances de sucesso em seleções de mestrado aparentemente injustas serão muito maiores.